Paraguai pede para cancelar ata sobre Itaipu assinada com Brasil; 4 altos funcionários se demitem
Membros do alto escalão, acusados de entreguistas pela imprensa paraguaia, renunciaram aos cargos: o chanceler, Luis Castiglioni, o embaixador do Paraguai no Brasil, Hugo Saguier Caballero; o presidente da ANDE, Alcides Jiménez; e o diretor paraguaio de Itaipu, José Alberto Alderete.
Por G1
População paraguaia fez protesto no sábado (27) em Asunción, capital do país, contra o presidente Mulher participa de protesto no sábado (27) em Asunción, capital do Paraguai, contra o presidente Mario Abdo Benítez. — Foto: Norberto Duarte/AFP
Quatro membros do alto escalão do governo paraguaio renunciaram, nesta segunda-feira (29), aos cargos, incluindo o embaixador do Paraguai no Brasil, Hugo Saguier, e o ministro de Relações Exteriores, Luis Alberto Castiglioni.
Além dos dois representantes, pediram demissão, também, o presidente da Administração Nacional de Eletricidade (ANDE), Alcides Jiménez, que estava há poucos dias no cargo, e o titular paraguaio da usina hidrelétrica binacional de Itaipu, José Roberto Alderete.
O presidente paraguaio, Mario Abdo Benítez, aceitou as renúncias.
O presidente paraguaio, Mario Abdo Benítez, aceitou as renúncias. — Foto: Jorge Adorno/Reuters
O motivo apontado para as renúncias é a assinatura, em maio, de uma ata bilateral sobre as condições de contratação de energia de Itaipu.O texto fixa a compra de energia de Itaipu pelo Brasil até 2022, um ano antes da renegociação do anexo C do tratado constitutivo da usina.
O documento, assinado sem consulta à opinião pública pelos governos de Brasil e Paraguai, causou grande repercussão no vizinho latinoamericano - a ponto de o agora ex-chanceler, Luis Alberto Castiglioni, anunciar no domingo (28) que o Paraguai pedirá ao Brasil para cancelar o documento.
O presidente anterior da ANDE, Pedro Ferreira, já havia pedido demissão na quarta-feira (24), porque tinha se recusado a assinar a ata. Jiménez, que renunciou nesta segunda-feira, assumiu o cargo no mesmo dia.
O agora ex-ministro das Relações Exteriores do Paraguai, Luis Alberto Castiglioni. — Foto: Jorge Adorno/Reuters
Por causa da assinatura da ata, os quatro funcionários têm sido chamados de "entreguistas" pela imprensa paraguaia.
Na quinta-feira (25), o agora ex-embaixador paraguaio no Brasil, Hugo Saguier, que participou das negociações do documento, afirmou que não houve "nenhuma renúncia de soberania" do Paraguai em relação ao Brasil. Segundo a imprensa paraguaia, ele declarou que irá ao Congresso para explicar o que aconteceu nas tratativas.
O que diz o texto
O excedente de água não usado na produção de energia escoado por uma das três calhas era o equivalente à vazão média das Cataratas do Iguaçu, 1,4 milhão de litros por segundo — Foto: Adenésio Zanella/Itaipu Binacional
O veículo paraguaio "ABC Color" aponta que a usina de Itaipu possui dois tipos de energia: a garantida (mais cara) e a adicional, que é um excedente (mais barato).
Em 2007, o Paraguai conseguiu se beneficiar, com prioridade, do uso de energia adicional em maior quantidade, em troca da instalação de mais duas turbinas binacionais, das quais o Brasil precisava.
Com a ata, diz o veículo, o Paraguai renuncia ao benefício da energia adicional e concorda em usar a energia garantida, mais cara, em igual proporção — o que gerará uma diferença de US$ 350 milhões (R$ 1,3 bilhão) para a ANDE, segundo especialistas da área ouvidos pelo "ABC Color".
Uma das principais preocupações da população paraguaia é que a ata se traduza em um aumento do preço da energia — o que foi descartado pelo (então) novo presidente da ANDE, Alcides Jiménez.
Mulher participa de protesto no sábado (27) em Asunción, capital do Paraguai, contra o presidente do país, Mario Abdo Benítez, por causa da assinatura da ata. — Foto: Norberto Duarte/AFP
"Todos os pontos que possam ser concordados não devem, em nenhum caso, significar um aumento da tarifa no curto prazo, em um ano, um ano e meio. Não podemos precisar qual será a extensão da economia em muito longo prazo, vocês perceberão que a situação econômica, a inflação e a taxa de câmbio poderão variar no futuro", especificou Jiménez.
Sobre um dos pontos da ata, que estabelece uma limitação de 6% da quantidade de potência contratada a cada ano, Jiménez ressaltou que não é um teto para o Paraguai, mas uma "proteção à ANDE", para que não se veja obrigada a comprar energia de em grande quantidade a cada ano.
Pelo acordo de Itaipu firmado entre Brasil e Paraguai, a energia gerada pela usina é dividida em partes iguais pelos dois países. O acordo prevê que, caso uma das nações não utilize sua parte integralmente, poderá vender o excedente para o parceiro.
Sem divulgação
População paraguaia fez protesto no sábado (27) em Asunción, capital do país, contra o presidente Mulher participa de protesto no sábado (27) em Asunción, capital do Paraguai, contra o presidente Mario Abdo Benítez. — Foto: Norberto Duarte/AFP
O documento foi assinado no último dia 24 de maio sem que nenhuma autoridade paraguaia tivesse informado a opinião pública a respeito — o que levou parte da oposição a denunciar que o governo de Benítez está fazendo concessões ao Brasil em relação às negociações de 2023.
Na semana passada, o agora ex-embaixador paraguaio no Brasil, Hugo Saguier, negou essa suposta concessão ao Brasil e ressaltou que, embora a população não estivesse a par destas negociações, as "partes interessadas" estavam informadas.
"Essa é uma questão que é normal. Em toda negociação existem períodos e estamos na etapa de fechar esta negociação. Depois, imediatamente, todo mundo será informado. É assim", explicou, antes de acrescentar que está sendo elaborado um relatório a respeito para ser enviado ao Congresso.
O principal questionamento a Saguier é que os técnicos do Paraguai não estavam presentes durante a assinatura da ata, enquanto os do Brasil, sim — segundo aponta o jornal paraguaio "ABC Color".
População paraguaia protestou no sábado (27) em Asunción, capital do país, contra o presidente Mulher participa de protesto no sábado (27) em Asunción, capital do Paraguai, contra o presidente Mario Abdo Benítez. — Foto: Norberto Duarte/AFP
A negociação do anexo C do Tratado de Itaipu é uma questão sensível para o Paraguai, que espera recuperar em 2023 a energia excedente que agora vende a preço de custo ao Brasil, segundo informa a EFE.
De acordo com a EFE, a negociação desta ata bilateral começou em março deste ano, quando o governo do presidente Jair Bolsonarosolicitou uma reunião devido a "divergências no contrato" que deveria ser assinado entre Brasil e Paraguai sobre a contratação de potência energética.
Saguier reconheceu que a questão não foi resolvida em nível técnico e que, por esse motivo, requereu a intervenção do alto escalão, representado por ele no caso paraguaio e pelo secretário de Negociações Bilaterais e Regionais nas Américas do Itamaraty, Pedro Miguel da Costa e Silva.
População paraguaia fez protesto no sábado (27) em Asunción, capital do país, contra o presidente Mulher participa de protesto no sábado (27) em Asunción, capital do Paraguai, contra o presidente Mario Abdo Benítez. — Foto: Norberto Duarte/AFP
"As divergências eram mútuas. Ambas as partes tinham suas posturas e não podiam conciliar suas posições. É por isso que foram convocadas as chancelarias", ressaltou.
Nessas reuniões foi estabelecida a ata bilateral de 24 de maio, que o governo paraguaio apresentou na semana passada diante da opinião pública como "o primeiro grande triunfo do Paraguai na negociação com o Brasil, visando o compromisso que temos em 2023", nas palavras de Saguier.
Alcides Jiménez sustentou ainda que ele, ao contrário de Ferreira, assinaria o documento "porque a ANDE não esteve de acordo, mas esse é um assunto que está superado".
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